Projeto find identifica e caracteriza casos sintomáticos de mucopolissacaridoses em idade pediátrica
DR. PAULO GASPAR
Unidade de Rastreio Neonatal, Metabolismo e Genética
Departamento de Genética Humana, Instituto Nacional de Sáude Dr. Ricardo Jorge
" Lançado o ano passado, o projeto FIND coloca à disposição dos médicos um meio para a identificação e caraterização de casos sintomáticos de mucopolissacaridoses (MPS) em idade pediátrica, como a Síndrome de Hunter, através de um processo é fácil e económico: perante uma suspeita de MPS, o clínico solicita o envio de um kit de diagnóstico gratuito através de e-mail, fornecendo os seus contactos para o envio do mesmo. Em entrevista à Médico News, o Prof. Doutor Paulo Gaspar, um dos responsáveis pelo projeto, explica detalhadamente no que consiste esta iniciativa. "
Médico News (MN) | Em que consiste o projeto FIND? Como surgiu?
Prof. Doutor Paulo Gaspar (PG) | O projeto FIND é uma parceria entre a Sociedade Portuguesa de
Pediatria (SPP) e o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA). Este projeto tem como
objetivos alertar os clínicos para sinais de alarme das mucopolissacaridoses (MPS) e, simultaneamente,
disponibilizar uma ferramenta de diagnóstico aos médicos que sigam um doente com suspeita clínica de
MPS.
MN | De que forma pode contribuir para o diagnóstico precoce de doenças raras?
PG | Este projeto permite a identificação de casos de MPSs na população pediátrica sintomática, de modo a encaminhar os doentes para um tratamento específico, o mais atempadamente possível. Este diagnóstico atempado resulta essencialmente do aumento de consciencialização e conhecimento destas doenças raras e do facto desta ferramenta realizar o despiste simultâneo de um conjunto de patologias.
MN | Como tem sido a receção ao projeto dentro da comunidade médica?
PG | Considero que a aceitação do projeto FIND tem sido bastante boa por parte da comunidade médica. No primeiro ano, foram requisitados cerca de uma centena e meia de kits de diagnóstico. Os casos que temos recebido vêm bem caracterizados clinicamente e isso deve-se ao facto de termos tido várias sessões de esclarecimentos sobre o tema.
MN | Até agora, quantas pessoas já foram identificadas?
PG | Até ao momento, este projeto conduziu ao diagnóstico de três doentes, confirmados bioquimicamente e geneticamente, sendo o mais novo de 10 meses de idade. Em estudo temos mais dois casos, que bioquimicamente são doentes, e cujo estudo molecular está em curso.
MN | Quais são as mais-valias do projeto FIND?
PG | Perante uma suspeita clínica, qualquer médico pode solicitar um kit de diagnóstico gratuito através do e-mail projecto.find@gmail.com (mailto:projecto.find@gmail.com). Assim, o projeto FIND, devido à forma fácil e económica de obtenção de amostra, associada à baixa quantidade necessária para a análise (sangue colhido em papel de filtro), coloca à disposição dos clínicos um ótimo meio para a identificação e caraterização de casos sintomáticos de MPSs em idade pediátrica, e consequentemente ao encaminhamento destes doentes para um tratamento específico, o mais atempadamente possível. Por outro lado, temos a chamada de alerta para este grupo de patologias, que embora isoladamente raras, no seu conjunto afetam 1: 21.000 nascimentos.
MN | Por volta de que idade é possível averiguar se existem realmente sintomas de MPS, como a Síndrome de Hunter?
PG | Tal como acontece com as demais mucopolissacaridoses, a Síndrome de Hunter pode ter uma apresentação clínica bastante heterogénea, variando desde uma revelação neonatal, até apresentações infantis ou adultas. Há cerca de 10 anos, a idade média de diagnóstico rondava os seis anos de idade, chegando mesmo a haver casos a serem diagnosticados na segunda década de vida. Na Síndrome de Hunter, o aparecimento dos primeiros sintomas depende da gravidade da doença, que é condicionada por diversos fatores, nomeadamente a atividade residual da enzima envolvida, genótipo (mutações causais), órgão onde ocorre a acumulação do metabolito anormal e se existem outras vias metabólicas afetadas secundariamente.
MN | É possível evitar a progressão da doença ou prevenir a ocorrência de danos irreversíveis através do diagnóstico precoce?
PG | Este grupo de doenças engloba doenças multissistémicas, crónicas, progressivas e irreversíveis. Devido à sua variabilidade clínica, o diagnóstico é difícil e, consequentemente, por vezes atrasado, impedindo uma intervenção atempada. O projeto FIND faz face a esta tendência, apoiando os médicos num diagnóstico o mais precoce possível, conduzindo a uma intervenção atempada e adequada, impedindo em certos casos o aparecimento de sintomas mais graves e deletérios, assim como retardando o avanço da doença.
MN | Passado um ano de ter sido lançado, quais são os projetos para o futuro?
PG | O primeiro ano do projeto foi muito positivo junto da população pediátrica em geral. Já está em curso o projeto FIND específico para a Otorrinolaringologia e a Ortopedia e este ano espera-se ainda vir a alargar para outras especialidades, onde as MPS estão muito presentes.